Apresentação


Mais de 30 mil pessoas aguardam hoje por algum órgão para transplante no Brasil. Em Santa Catarina, este número é de 485. Os números caem à proporção em que a conscientização aumenta. 292 famílias catarinenses esperam por uma chance de qualidade de vida através do transplante de rim. A expectativa de outras 152 famílias é de que um ente volte a ver a luz do dia através de novas córneas. Os que aguardam por um fígado são 29. Por pâncreas/rim, 11. E um paciente espera por um coração saudável. O Estado está à frente de outros brasileiros, mas a informação pode agilizar ainda mais e diminuir o tempo de espera dos pacientes.

A Campanha


O Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina (CRM-SC) abraça a causa que faz parte da rotina de pessoas que vivem a angústia de esperar por um órgão que pode salvar a sua vida.

O CRM-SC vai levar informação e alertar a sociedade para a importância de se declarar doador, de seus parentes respeitarem esta decisão, e mostrar ao médico seu papel nesta campanha diante de seus pacientes.

Na Mídia


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COMO SER UM DOADOR


Doação em vida


Um dos rins, parte do fígado, parte do pulmão (situações excepcionais), parte do pâncreas (situações excepcionais) e medula óssea.

Após a morte


Quais orgãos pode ser doados

Coração, pulmão, fígado, pâncreas, intestino, rins, córneas, veias, ossos e tendões.

Quem pode doar

O doador vivo é qualquer pessoa saudável e juridicamente capaz, que concorde com a doação, sem que haja comprometimento de sua própria saúde. O candidato passa por uma série de exames físicos e psicológicos para atestar se está apto a ser um doador. É necessário ter autorização judicial para doar, exceto em casos de parentes até quarto grau ou cônjuges. No caso de medula óssea, o candidato deve cadastrar-se no Banco de Doadores do seu Estado e será consultado sobre a doação caso seja compatível com algum receptor.

Quem pode doar

Não é preciso fazer registro em cartório ou no documento de identidade, basta comunicar o desejo à família. Apenas ela pode autorizar a doação, após a confirmação da morte encefálica

Riscos

Ao manifestar o desejo de ser doador em vida, o candidato recebe informações sobre os riscos do procedimento à sua saúde e assina um termo em que afirma estar ciente de possíveis complicações em decorrência da cirurgia, conforme explica o médico Paulo Chapchap, coordenador do programa de transplantes de fígado e superintendente de estratégia corporativa do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo (SP).

Morte cerebral ou encefálica

A morte encefálica é a incapacidade do cérebro de manter as funções vitais do organismo, e o estado clínico é irreversível. Para não haver dúvidas, existe um rígido protocolo para o diagnóstico. Dois médicos de áreas diferentes – um neurologista e um neurocirurgião – examinam o paciente, que é submetido também a um exame complementar que confirme os testes clínicos.

Como funciona a doação após a morte


  1. A família assina o termo de compromisso, que é enviado à SC Transplantes, e o transporte do material começa a ser providenciado. Ao mesmo tempo, o doador é submetido a exames, e os resultados são cruzados com dados da Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos e Tecidos (CNCDO/SC) para a definição do receptor do órgão.

  2. O receptor é informado sobre a disponibilidade do órgão, além das condições clínicas e faixa etária do doador. A identidade nunca é revelada. O receptor declara se aceita a cirurgia. Em caso negativo, o próximo da lista é contatado.

  3. Com a definição do receptor, os órgãos são retirados pela equipe de transplante. O procedimento é uma cirurgia como outra qualquer, e o doador terá o corpo recomposto, sem mutilações.

  4. A logística do transporte precisa ser rápida e eficiente, pois os órgãos têm pouco tempo de sobrevida após serem retirados do corpo do doador. O transporte aéreo é feito por aviões das polícias Civil e Militar, Bombeiros, Samu, táxi aéreo ou até mesmo voos comerciais, conforme a disponibilidade no momento.

  5. O receptor é encaminhado com antecedência para o hospital, para ser preparado para a cirurgia do transplante.



Panorama


De janeiro a junho de 2015, foram realizados 3.759 transplantes de órgãos, 16.601 de tecidos e 907 de medula óssea no Brasil, números que estão longe de atender à demanda. Pela primeira vez, desde 2007, houve uma diminuição no número de doadores efetivos, na taxa de potenciais doadores e também nos casos de transplante de rim, fígado e de pâncreas.

A meta inicial da Associação Brasileira de Transplantes (ABTO) para 2015 era uma taxa de 17 doadores efetivos por milhão de população (pmp), no entanto, devido aos baixos resultados do semestre, a meta passou a ser de 15 a 15,5 pmp. Na opinião do médico Paulo Pêgo Fernandes, diretor da ABTO, os principais desafios para reverter esse quadro são: a melhora da rede de saúde pública e o acesso da população a informações sobre o assunto.


SC se destaca em doações, mas enfrenta desafios


Santa Catarina, sob o comando do médico Joel de Andrade, que está à frente da SC Transplantes, tem se destacado na taxa de doação. Enquanto a média brasileira de doadores efetivos por milhão de população (pmp) é de 13,4, em SC o índice é de 30,6 – semelhante ao de países com as maiores taxas do mundo, de acordo com dados divulgados no Registro Brasileiro de Transplantes de julho.

O coordenador da SC Transplantes explica que a mudança começou em 2005, com a reestruturação do sistema e mudanças no modelo de gestão. Atualmente, em todos os 40 hospitais de alta complexidade do Estado atuam membros da Comissão Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos e Tecidos de Santa Catarina. São médicos, enfermeiros e assistentes sociais preparados para agir com eficiência, porém, sem perder a sensibilidade ao lidar com as famílias dos potenciais doadores.

Apesar do excelente sistema, Santa Catarina enfrenta dificuldades semelhantes ao restante do país. A recusa familiar é o principal obstáculo para a efetivação das doações. Além disso, não há no Estado equipes capacitadas para realizar cirurgias que envolvam todos os tipos de órgãos. A operação de João Vitor e Tatiana, por exemplo, foi feita em São Paulo, uma vez que Santa Catarina não realiza transplantes pediátricos. Nesses casos, em que o procedimento não pode ser feito em SC, os órgãos são enviados para outros Estados.

A taxa pmp registra o número de doadores a cada milhão de população. A meta da Associação Brasileira de Transplantes é alcançar o número de 20 pmp até 2017. A Espanha, por exemplo, país que mais registra transplantes no mundo, tem taxa de 37 pmp.


Na espera por uma nova chance


De acordo com dados do Registro Brasileiro de Transplantes, 32 mil aguardam na lista de espera por um transplante no país. Cada Estado possui um sistema individual, organizado pela respectiva Secretaria de Saúde. A ordem de inclusão na fila não garante prioridade no atendimento. Entre os critérios para definição do receptor estão compatibilidade, estado de saúde do paciente, ordem na fila e localização.

Em Santa Catarina, após a confirmação da morte encefálica de um potencial doador, paciente de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), um profissional conversa com a família para verificar se há interesse na doação, conforme explica o médico coordenador da SC Transplantes, Joel de Andrade.

Se a família autorizar, o órgão é transportado para o local onde está o receptor, que é selecionado com base em um banco de dados que interliga informações de todas as regiões do Estado. Caso não exista um receptor em SC, o órgão é inserido no Sistema Nacional, que o disponibiliza para outros Estados. No caso de negativa das famílias, a Central de Transplantes encerra o processo.


Fonte: Vidas Compartilhadas, DC.



Painel: Doações e transplantes

 

Dr. Joel de Andrade

Coordenador do SC Transplantes

Dr. José Carlos Arenhart

Médico urologista, chefe do Departamento de Medicina de Transplante do Hospital Santa Isabel, em Blumenau.

Dr. Rodrigo Cavalheiro

Diretor do Banco de Olhos de Florianópolis

Dr. Fernando Miranda

Captador da Central de Transplantes e representante do transplante hepático do HU

Dr. Rodrigo Bertoncini

Conselheiro do CRM-SC

 

Abertura

Santa Catarina é um exemplo para o Brasil quando o assunto é transplantes de órgãos. Para que o Estado continue sendo referência e que este trabalho permaneça em ascensão, o Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina (CRM-SC) quer levar informações sobre o tema aos médicos e à sociedade catarinense.  

Para tanto, reuniu reconhecidos profissionais que atuam na área em um painel sobre transplantes, com a coordenação do Cons. Rodrigo Bertoncini, no dia 24 de setembro, na sede do CRM-SC. Deste encontro, resultou a entrevista que segue:

Introdução do Dr. Joel:

Em relação a doação de órgãos e transplantes, é fundamental que sejam passadas as informações mais simples e úteis possíveis. Geralmente o especialista quer falar sobre o que conhece ou gosta mais, mas é preciso informar o que é útil para quem vai ter acesso a este conteúdo. O conhecimento dos colegas sobre transplantes é reduzido. Quem domina o conceito sobre morte encefálica são os que atuam na área, e a utilidade do transplante também é desconhecida da maioria. Como exemplo, aponto um colega médico, que me confidenciou que via o paciente transplantado como uma pessoa caquética, andando com um pacote cheio de comprimidos e que, hoje transplantado, a sua vida está melhor do que antes.

 

Dr. José Carlos Arenhart

Médico urologista, chefe do Departamento de Medicina de Transplante do Hospital Santa Isabel, em Blumenau.


O que os médicos precisam saber sobre transplante renal? 

Saber o que é morte encefálica, o que não é ensinado na faculdade. O principal a enfatizar é com relação à doação. O transplante renal é o mais realizado em SC, e nossa experiência, com mais de 1.050 transplantes realizados até agosto de 2015, mostra uma queda progressiva no número de transplantes com doadores vivos relacionados, que era de 60% e caiu para menos de 25%. Quanto mais doadores falecidos, menor a chance de complicações. Daí a importância da Central de Transplantes. Os doadores falecidos necessitam de autorização familiar e compatibilidade de tipo sanguíneo entre doador e receptor.

E com relação aos transplantes intervivos?

Pela lei brasileira, a doação intervivos é permitida até o quarto grau de parentesco. Para doação intervivos, são requisitos: que o doador tenha mais de 21 anos e seja voluntário; bom estado de saúde física e mental; compatibilidade com o receptor, e realização de todos os exames preconizados para o transplante, inclusive o estudo imunológico. Devemos sempre alertar os doadores vivos dos riscos cirúrgicos imediatos e dos cuidados em longo prazo, na manutenção da função renal.

Quais as dificuldades principais?

Nós fazemos uma parte, a cirurgia: captação e transplante. O rim é retirado de forma tradicional, como um urologista faz. Não fazemos cirurgia videolaparoscópica pelo risco de complicações. Há consulta prévia com o cirurgião, para avaliar e explicar ao paciente todos os riscos. Mas o processo começa muito antes, na identificação do possível doador, um processo longo, trabalhoso. As principais dificuldades relacionadas com o receptor são obesidade (IMC maior que 34); doença arterial por hipertensão e/ou diabetes; cirurgias prévias abdominais; transplantes renais prévios; técnicas de ampliações vesicais ou realização de neobexigas. A presença de artérias ou veias renais múltiplas nos rins doados é frequente, exigindo técnicas microcirúrgicas. Doadores pediátricos ou limítrofes e rins com anormalidades anatômicas também oferecem maior dificuldade técnica. É uma área em que o urologista, o cirurgião vascular ou mesmo o cirurgião geral atua, mas tem que ter é dedicação. Temos uma equipe de seis pessoas, seguimos a linha na qual o urologista trabalha do início ao fim. A experiência cirúrgica só melhora com o tempo, mas sempre surgem coisas novas, os desafios estão sempre presentes. A parte imunológica melhorou muito. Temos desafios do receptor, muitos são obesos, com diabetes, hipertensão, e têm um resultado pior do transplante, pois o estado arterial destes pacientes é ruim.

Quais são as complicações cirúrgicas em um transplante renal?

As mais graves estão relacionadas às anastomoses vasculares, levando à perda precoce do enxerto, como trombose de artéria ou veia renal; complicações urológicas, como fístulas urinárias (2-4%) e estenoses ureterais tardias (2-5%); linfocele é a complicação mais frequente, mas em muitos casos não necessita correção cirúrgica.

Comentários do Dr. Joel

Em Santa Catarina, a doação por doador vivo não relacionado praticamente não existe. É uma exceção, são dois ou três procedimentos por ano, e todos passam por um triplo filtro: a Comissão de Ética do hospital, que vai realizar o procedimento; a Central de Transplantes, e a Justiça, quando um juiz analisa se existe alguma questão obscura.

O conhecimento sobre morte encefálica é escasso, lamentavelmente. Nas outras especialidades é mais justificável, mas eu sou da terapia intensiva; nesta área há um estudo com 242 intensivistas de Porto Alegre mostrando taxas de desconhecimento de conceitos básicos de morte encefálica de 75% para algumas questões. Eu gostaria de enfatizar que esta talvez seja a coisa mais importante com relação a qualquer transplante, seja renal, hepático e ou os outros, porque o doador em morte encefálica pode doar oito órgãos, mais todos os tecidos, inclusive o ocular.

Todos os médicos deveriam saber, e a população também, que o transplante renal é a melhor opção terapêutica para um paciente que tem doença renal crônica. É a melhor opção e a mais barata. No primeiro ano, o transplante é mais caro. No segundo e no terceiro ano, o custo anual de manter um transplantado cai para um terço do que é a diálise. No ponto de vista de qualidade de vida, nem se fala. O paciente deixa de ir ao hospital três vezes por semana para fazer diálise.

Outra informação importante é que, dos que fazem diálise, apenas 30% tem indicação de transplante. Os demais têm contraindicações que impedem que sejam receptores, como doença arterial, por exemplo.

 

Dr. Rodrigo Cavalheiro

Diretor do Banco de Olhos de Florianópolis

 

Como está a situação atual dos transplantes de córnea em SC?

Há um ano e meio havia 750 catarinenses na fila de transplante de córnea, com espera de sete anos. Hoje, este número está em 125, mas quanto mais próximo do objetivo, fica mais difícil zerar a fila. A nossa grande barreira continua sendo a doação. E a maior preocupação é sensibilizar o médico para a doação de córnea, que é diferente dos outros órgãos. Santa Catarina precisa de 100 a 120 transplantes por mês, apenas para atender a demanda de novos pacientes. Então, para avançar e diminuir a fila, é preciso mais do que 120 córneas por mês.

Como funciona a fila, para a córnea e para transplantes em geral?

Esta divisão só existe na cabeça das pessoas. Para transplante de córnea, só existe uma fila, a do SUS. É preciso fazer um cadastro no SUS, mesmo que o transplante seja feito de forma particular. E para haver esta conscientização, é preciso fazer a fila do transplante público andar mais rápido que a do privado.

Dr. Joel

A distribuição obedece a critérios técnicos. A fila, conforme estamos acostumados a falar, só tem mesmo para a córnea. Se eu sou o 40º, o 39º tem que transplantar e aí chega a minha vez. Se transplantaram o 42º e não chegou a minha vez é porque uma criança precisou, ou houve uma perfuração, ou uma rejeição aguda com perda de enxerto. A sequência do transplante renal é por histocompatibilidade. O de coração e pulmão é por dimensões anatômicas, o de coração é o peso, o pulmão é a estatura. E o do fígado é por gravidade da doença. Em 11 anos na Central, não houve reclamação de desvio desses critérios.

Como o médico não oftalmologista pode ajudar a reduzir a fila de transplantes de córnea em Santa Catarina?

Quanto à conscientização do médico, precisamos mostrar que ele está mais próximo deste tipo de transplante do que imagina. O médico tem o poder de ajudar. Nas equipes de captação de córnea, o médico é a bússola. É ele que vai dar segurança em abordar as famílias, que vai mostrar e estimular a equipe para que aquilo seja feito. Temos o privilégio de não precisar do doador vivo, temos seis horas para fazer a abordagem com a família. O médico deve entender a grande necessidade de córneas e perceber que ele é fundamental no processo de estimular a doação. Deve lembrar que seus amigos, filhos, pais e parentes podem estar na fila de receptores deste órgão. Vários colegas médicos são transplantados de córnea ou têm doenças que evoluem para o transplante. Eles estarão ajudando a si mesmos e a toda a comunidade.

Como está a técnica do transplante de córnea?

As córneas podem ser doadas mesmo após a morte e captadas em até seis horas post-mortem, desde que os olhos estejam protegidos. Os transplantes de córnea evoluíram, nos últimos cinco anos, de forma assombrosa. É possível hoje pegar uma córnea, dividir em dois, usar a metade em cada paciente. Não fazemos porque não há legislação, mas conseguiríamos fazer. O transplante convencional, onde se corta todas as camadas da córnea, tem uma duração de 15 a 20 anos. Ou seja, a ceratocone, que é 60% da fila, ocorre em pacientes de 8, 14 ou 15 anos. Então, se o transplante dura 15 anos, quantos serão necessários em cada paciente? Com as técnicas mais modernas, a duração do transplante dobra e a rejeição diminui.

Qual o papel do médico assistente, na doação de córneas e no estímulo ao transplante?

Uma vez que este tecido será utilizado por outro paciente, o médico assistente deve lembrar-se de proteger a córnea do doador, prescrevendo lubrificação e pomada oculares naqueles que estejam sedados e/ou inconscientes e garantindo oclusão dos olhos após o óbito. Córneas ressecadas e danificadas acabam não sendo usadas para transplantes. O transplante de córnea é o mais realizado por ser, obviamente, o mais necessário em termos quantitativos. As patologias que afetam a córnea e a levam para transplante tem um caráter genético muito forte. Na distrofia granular, por exemplo, o paciente pode precisar trocar a córnea a cada cinco anos; neste caso, o transplante é a única opção. As doenças da córnea são muito incidentes. Hoje, ceratocone é a doença que mais demanda o transplante. Essas doenças ocorrem em todas as camadas da sociedade e o médico, antes de ser médico, é um indivíduo que também padece dessas doenças. Santa Catarina é exemplo de doação de múltiplos órgãos e tecidos. Mas doação exclusiva de tecido ocular deve ser lembrada também naquelas situações em que não seja possível a doação de múltiplos órgãos.  

Onde estão tantos pacientes que precisam de transplante de córnea?

Os pacientes cegos e de baixa visão, muitas vezes, são escondidos do público em geral. Estão em instituições de educação para cegos ou restritos às suas casas, devido à dificuldade de locomoção e à inadaptação das cidades. Aqueles que vemos nas ruas são apenas uma pequena fração destes pacientes. Há um ano e meio, estavam na fila estadual de córnea 700 pacientes, sem contar os que consideravam a fila tão longa que iam buscar o órgão em outros estados. Hoje, temos 125 à espera. Vale lembrar que, em muitos casos, há a necessidade de cirurgia para os dois olhos.

Como cada médico pode ajudar?

Ações como esta ajudam a divulgar, entre os médicos, a doação de órgãos e tecidos. No entanto, acredito que muitos colegas ainda não sabem quais pacientes são potenciais doadores, nem que existem equipes prontas em todo o Estado para fazer a abordagem da família dos doadores e a captação dos órgãos. Portanto, é importante o CRM-SC abrir espaço em suas publicações, esclarecendo o médico sobre o problema.

 

Dr. Fernando Miranda

Captador da Central de Transplantes e representante do transplante hepático do HU


Como é a estrutura necessária para o transplante hepático?

Temos estrutura adequada, com motorista à disposição, voo fretado quando é captação à distância, e ainda helicópteros para voos mais curtos. Às vezes, fica apertado porque falta mão de obra. Cinco médicos captadores parece muito, mas assim como algumas vezes não há doação, em outras há quatro no mesmo dia. No transplante hepático, a responsabilidade de quem transplanta também é de fazer a captação do órgão. Quando vamos fazer a captação, fazemos de outros órgãos também: rim, córnea, o que tiver. O treinamento para captação é global. Uma das dúvidas que as pessoas têm é de como este órgão chega ao hospital. Hoje, a Central de Transplante tem uma escala de cinco médicos de sobreaviso, mas não estamos dando conta de treinar médicos para manter o número de captações, que não para de aumentar.  A equipe se desloca para 48 cidades do Estado, pois a captação é sempre feita no hospital que gera o doador, onde foi feito o protocolo de morte encefálica. O transplante de fígado é o que precisa de maior estrutura hospitalar. O procedimento em si é difícil e não basta o cirurgião, é necessário UTI funcionando, serviço de nutrição, fisioterapeuta, uma equipe multidisciplinar. Se a estrutura hospitalar falhar, a sobrevida diminui. Então, o HU precisou crescer junto com o serviço de transplante. A sequência do transplante de fígado é determinada pela gravidade de cada caso. O mais grave é o primeiro da lista. Outra particularidade do transplante hepático é que ele não apenas melhora a qualidade de vida do paciente, ele salva a vida.

 

Qual o limite de idade para um paciente ser submetido ao transplante hepático?

Não existe uma idade máxima definida. A idade biológica é mais importante que a cronológica. Pacientes idosos têm uma mortalidade maior do que os pacientes jovens.

Quais os tipos de câncer de fígado podem ser tratados com transplante hepático?

O hepatocarcinoma, tipo mais comum de tumor maligno primário do fígado, é o único a ser tratado com transplante hepático nos serviços brasileiros. O carcinoma fibrolamelar, uma de suas variantes, também pode ser uma indicação. Tumores neuroendócrinos metastáticos restritos ao fígado podem ser uma indicação de transplante hepático. Alguns serviços no exterior têm protocolos estabelecidos para outros tipos de câncer de fígado como o colangiocarcinoma e até para alguns tipos de câncer metastático.

Qualquer paciente com hepatocarcinoma pode ser submetido a transplante hepático?

A portaria do Ministério da Saúde, que regulamenta o cadastramento de candidatos a transplante hepático, concede pontuação especial apenas para pacientes dentro dos Critérios de Milão. O paciente pode ter um único nódulo de até 5 cm ou até 3 nódulos menores que 3 cm para estar dentro desse critério. Em todos os pacientes com diagnóstico de hepatocarcinoma é preciso afastar doença metastática, antes de serem listados para transplante.

Como e onde ocorre a cirurgia de captação de órgãos em Santa Catarina?

No hospital onde foi realizado o protocolo de morte encefálica para doação de órgãos. Somente após finalizado todo o processo, é realizada a cirurgia. O paciente é levado da UTI para o centro cirúrgico, onde a sala de operação é preparada pela equipe de enfermagem e de anestesia do próprio hospital.  A equipe cirúrgica vinculada à central de transplantes realiza então a captação.

Quais os principais passos da cirurgia de retirada do fígado no doador?

Enquanto o doador é mantido nas melhores condições possíveis pelo anestesista, a cirurgia inicia com abertura das cavidades abdominal e torácica e inspeção para descartar qualquer tipo de infecção ou lesão neoplásica que possa contraindicar a doação. O fígado é preparado para que tão logo o coração pare de bater, ele possa ser perfundido por uma solução de conservação e prontamente resfriado. Após clampeamento da aorta e a posterior parada cardíaca, inicia-se a perfusão e resfriamento do órgão. O próximo passo é a retirada do fígado, de forma delicada, sendo então armazenado em embalagem estéril, conforme protocolo estabelecido pela Central de Transplantes de SC, e mantido em caixa térmica a 4ºC, até o hospital onde será realizado o transplante.

Por quanto tempo o fígado pode ficar acondicionado até o transplante?

Do horário do clampeamento da aorta na retirada até a reperfusão com sangue do receptor, o tempo máximo é de 12 horas. Este tempo pode ser prolongado em casos selecionados.

Quantas anastomoses são necessárias para o transplante hepático?

Três ou quatro anastomoses vasculares, em ordem: 1) veia cava inferior supra-hepática (e veia cava inferior infra-hepática, dependendo da técnica ); 2) veia porta; 3) artéria hepática. Reconstrução da via biliar.

Quais as complicações cirúrgicas mais comuns?

As complicações mais comuns são as relacionadas à via biliar. A trombose aguda da artéria hepática é a complicação mais temida e geralmente leva o paciente a um retransplante.

Como ocorre a distribuição de fígados de cadáveres para os pacientes em lista de transplante?

O paciente é alocado na lista por critérios de gravidade do estado clínico. Ou seja, o mais grave é sempre o primeiro da lista. A lista é estadual, não importando por isso o hospital em que o paciente está listado. Para definir qual paciente é o mais grave utiliza-se o critério MELD (Model for End-stage Liver Disease), que utiliza exames de laboratório para definir a gravidade da doença hepática.

Como funciona a fila para os transplantes, em geral?

Dr. Rodrigo Cavalheiro

A divisão entre público e privado só existe na cabeça das pessoas. Para transplante de córnea, há somente a fila do SUS. É preciso fazer um cadastro no SUS, mesmo que o transplante seja feito de forma particular. E para haver esta conscientização, é preciso fazer a fila do transplante público andar mais rápido que a do privado.

Dr. Joel

A distribuição obedece a critérios técnicos. A fila, conforme estamos acostumados a falar, só tem mesmo para a córnea. Se eu sou o 40º, o 39º tem que transplantar e aí chega a minha vez. Se transplantaram o 42º e não chegou a minha vez é porque uma criança precisou, ou houve uma perfuração, ou uma rejeição aguda com perda de enxerto. A sequência do transplante renal é por histocompatibilidade. O de coração e pulmão é por dimensões anatômicas, o de coração é o peso, o pulmão é a estatura. E o do fígado é por gravidade da doença. Em 11 anos na Central, não houve reclamação de desvio desses critérios.

Como funciona a notificação de potenciais doadores, em morte cerebral?

Dr. Joel

Cada hospital tem coordenadores de transplantes em número proporcional à quantidade de notificações. Os hospitais que notificam até 10 mortes por ano têm dois coordenadores; de 10 a 20 mortes, quatro coordenadores; de 20 a 30 mortes, seis coordenadores; mais de 30 mortes por ano, oito coordenadores. Essas pessoas que se encarregam, dentro dos hospitais, de estabelecer a cultura da comunicação. Temos um curso importado da Espanha que ensina técnicas de comunicação e os deveres estão todos estabelecidos: notícia de morte quem dá é o médico, com a presença de alguém da coordenação de transplantes. Quem faz a entrevista, normalmente é um enfermeiro e um médico ou apenas o médico. Em Rio do Sul, por exemplo, é feito por dois médicos e a taxa de aceitação é alta. Estamos trabalhando agora em uma Diretriz Brasileira de Comunicação em UTI, que vai orientar como o médico deve se portar. Por exemplo, se uma mãe chega ao hospital para ver o filho acidentado, ela deve ser levada para ver o filho. Não é momento de falar ou explicar sobre morte encefálica. A dificuldade dos profissionais de saúde em se comunicar com as famílias é um dos complicadores para se melhorar os índices de doações. A mudança cultural das equipes (hoje são 700 pessoas treinadas para fazer comunicação) fez com que as negativas de autorização caíssem de 70%, em 2007, para 38% atualmente, e esperamos que se possa descer a 20%. O que recomendamos é que a notificação da morte seja feita com humanidade, com gentileza, com ética, estabelecendo-se os três pilares da relação de ajuda: a autenticidade, a empatia e o respeito. Quando isto se estabelece, o efeito é a doação.


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